Início > Professora da unipampa e uma das vencedoras do premio loreal unesco para mulheres na ciencia 2017
Data de Publicação 18/08/2017 - 16:15 Atualizado em 18/08/2017 - 16:18 8455 visualizações

Professora da Unipampa é uma das vencedoras do prêmio L’Oréal Unesco “Para Mulheres na Ciência” 2017

Prêmio tem como objetivo promover a igualdade de gênero no universo científico
Por Sofia Viero Sorgetzt

A professora Pâmela Billig Mello Carpes, do Campus Uruguaiana da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), é uma das 7 vencedoras da edição 2017 do prêmio nacional “Para Mulheres na Ciência” de L’Oréal e Unesco. Na seleção, Pâmela inscreveu o projeto de pesquisa “Uma investigação dos efeitos de estratégias neuroprotetoras em um modelo de deprivação maternal”, pelo qual foi premiada na categoria Ciências da Vida. A pesquisa é vinculada ao Programa Multicêntrico de Pós-graduação em Ciências Fisiológicas, do qual Pâmela é docente e coordenadora.

O estudo apresentado consiste na investigação de maneiras de reduzir ou até mesmo reverter o déficit cognitivo sofrido por indivíduos afastados da presença materna - ou de alguém equivalente à mãe - no período inicial da vida. Para isso, busca-se utilizar estratégias de fácil acesso e baixo custo, como os exercícios físicos, os antioxidantes naturais presentes no chá verde, derivado da planta Camellia sinensis, e o enriquecimento ambiental e social.

Em entrevista, a professora Pâmela Carpes fala sobre a trajetória da sua pesquisa e comenta sobre a importância do prêmio para a sua carreira, para a Unipampa e para a promoção da igualdade de gênero na ciência.

Assessoria de Comunicação Social: Gostaríamos de saber mais detalhes sobre o projeto, como surgiu a ideia e como ele vem sendo desenvolvido na Unipampa? Quantos e quem são os pesquisadores que fazem parte do projeto?

Pâmela: Eu comecei a estudar o impacto da privação de cuidados parentais sobre a memória ainda no mestrado. Na época, um colega de pós-graduação, o Fernando Benetti, que hoje é professor da UFRGS, trabalhava nesta linha estudando como esta privação afeta alguns neurotransmissores (moléculas químicas que os neurônios, células cerebrais, usam para se comunicar). Então, eu me aliei a ele para estudar os efeitos do exercício físico sobre os déficits de memória relacionados a esta privação. Trabalhamos, e trabalho até hoje, com um modelo animal em ratos. Nestes animais o cuidado parental depende exclusivamente da rata mãe; assim, para estudar os efeitos da privação de cuidados, separamos a rata mãe dos filhotes 3 horas por dia durante os 10 primeiros dias de vida da prole. O tempo de privação é pequeno para não causar nenhum déficit nutricional, mas observamos que, mesmo com este pequeno período de privação, os animais apresentam déficits de memória que perduram a vida toda. Fizemos este estudo no meu mestrado e, depois, no doutorado, acabei me voltando a outras linhas de pesquisa, também relacionadas à memória. Já atuando aqui na Unipampa decidimos retomar a linha de pesquisa, pois, embora tivéssemos verificado o efeito neuroprotetor do exercício (os animais exercitados não apresentam os déficits cognitivos que os não exercitados, ainda que sejam deprivados), não havíamos estudado os mecanismos envolvidos no efeito do exercício. Então, um estudante do meu laboratório, o Jefferson Menezes, dedicou seu mestrado junto ao PPG Bioquímica (outro Programa de pós-graduação do campus Uruguaiana) para investigar estes mecanismos. Junto com ele trabalhou bastante nesta linha (e continua trabalhando) o bolsista de iniciação científica Ben-Hur Neves, do curso de Fisioterapia. Verificarmos que os animais deprivados da mãe apresentam estresse oxidativo cerebral, o que pode levar a danos e até morte neuronal, e, ao contrário, o exercício tem efeito antioxidante, prevenindo estes danos, e, consequentemente, os danos cognitivos. A partir de então, novas ideias surgiram, e já estamos investigando o papel neuroprotetor de outras intervenções, como a suplementação com chá verde e o enriquecimento ambiental, que é o foco do projeto apoiado pelo Prêmio Para Mulheres na Ciência. Hoje, além do Ben-Hur, trabalham junto comigo no projeto a Priscila Sosa, doutoranda do PMPGCF (Programa Multicêntrico de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas), a Mauren Souza, pós-doutoranda do PPG Bioquímica, e a Inaê Oliveira, bolsista de iniciação científica que cursa Fisioterapia. Também, algumas das linhas do projeto são desenvolvidas com cooperação com o Centro de Memória da PUCRS, coordenado pelo professor Iván Izquierdo e com o professor Fernando Benetti, do Programa de Pós-graduação em Fisiologia da UFRGS.

ACS: Qual é a importância desse prêmio para você sob o ponto de vista de cientista?

Pâmela: O primeiro ponto que eu destacaria é o reconhecimento. O Programa For Women in Science é um programa mundial, da L'Oreal em parceria com a UNESCO. É uma honra muito grande entrar para o time das cientistas laureadas! Quando saiu o resultado do prêmio, recebi mensagens de cientistas renomados, reconhecendo o prestígio que o prêmio representa. Então, não tem como não ficar orgulhosa do trabalho que desenvolvemos aqui na Unipampa (eu e meu grupo de pesquisa - os meus estudantes são peça fundamental para que as coisas realmente andem) e as pessoas reconhecem que é possível fazer ciência de relevância na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, em uma instituição tão nova como a Unipampa!

O segundo ponto que destaco é a valorização da contribuição feminina à ciência. O prêmio existe porque as mulheres enfrentam uma série de obstáculos para se destacar em diversas áreas - uma delas é a ciência. Se você perguntar a alguém se conhece algum cientista, se a pessoa conhecer, na grande maioria das vezes será uma figura masculina. E isto não ocorre porque temos poucas mulheres fazendo ciência! Temos, inclusive, desenvolvido um trabalho lindo de divulgação da ciência em escolas de Uruguaiana, destacando a ciência desenvolvida por mulheres na tentativa de mostrar para nossos jovens, meninos e meninas, que mulher também pode ser cientista! Este trabalho, inclusive, é protagonizado com uma cientista super jovem, a Maria Clara Machado. Ela é bolsista de iniciação científica júnior no meu laboratório, está no terceiro ano do Ensino Médio de uma escola pública aqui de Uruguaiana e faz pesquisa conosco nos laboratórios da Unipampa.

Por fim, não dá para não reconhecer a importância do recurso financeiro que vem junto com o prêmio! Esse recurso será fundamental para que o meu grupo de pesquisa não pare as atividades nos próximos meses. Infelizmente, o atual cenário estava nos levando para esta situação. Apesar de termos fomento aprovado em algumas agências de apoio à pesquisa, os recursos não têm sido repassados! Com o valor do prêmio conseguiremos manter as atividades por alguns meses, e esperamos que, até lá, o cenário de apoio à ciência e tecnologia em nosso país melhore.

ACS: Qual a importância do prêmio especificamente sob o ponto de vista de mulher cientista? O que ainda precisa melhorar no universo científico em relação à igualdade de gênero? Quais as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que querem construir uma carreira na ciência?

Pâmela: Tem muitas coisas que precisam melhorar no universo científico para que tentemos chegar próximo à igualdade de gêneros. Dentre elas, poderia citar duas, que considero bem pertinentes: o preconceito de muitos homens, especialmente em algumas áreas específicas, como as áreas STEM (sigla em inglês que se refere a ciência, tecnologia, engenharia e matemática), que acham que as mulheres não têm as mesmas habilidades que os homens (parece absurdo, mas acontece) e as políticas de incentivo à participação e permanência de mulheres na ciência:  muitas mulheres que são excelentes cientistas acabam deixando a carreira pela dificuldade que encontram em conciliá-la com a maternidade, especialmente após a licença maternidade, quando é difícil manter uma produção científica suficiente para concorrer com homens, que não estiveram afastados por 6 meses... mesmo depois deste período, as mulheres continuam, na maioria das vezes, tendo mais responsabilidade com os filhos do que os pais (amamentação, etc.) e isso as deixa com menos tempo para a pesquisa.

ACS: Qual é o impacto que esse prêmio gera para a Unipampa?

Pâmela: Acredito que o prêmio auxilia na divulgação da instituição, pois já foi, está sendo e ainda será muito divulgado pela mídia. A partir daí, muitas pessoas que não conheciam nossa universidade acabam conhecendo-a. Outras, que imaginam que não é possível fazer ciência de qualidade e relevância numa região afastada e pobre como a fronteira oeste do Rio Grande do Sul acabam vendo que sim, também fazemos ciência de ponta por aqui.

ACS: A pesquisa recebe incentivos financeiros? De que tipo e de quais instituições?

Pâmela: Sim, a nossa pesquisa vem recebendo financiamento através de duas agências principais, o CNPq e a CAPES, e só é possível desenvolvê-la porque temos uma infraestrutura de equipamentos nos nossos laboratórios que foi consolidada ao longo dos últimos anos com base na captação de recursos externos de diversas agências, mas também da Unipampa, através dos editais de apoio aos grupos de pesquisa e pós-graduação. Uma pena que este programa tão importante não está tendo continuidade, dada a atual crise financeira.

No caso do CNPq, recebemos apoio através do edital Universal, o que permitiu comprar alguns equipamentos e material de consumo. Neste caso, ao contrário de muitos colegas que não receberam ou receberam só parte do recurso, nós recebemos todo valor solicitado, só que os recursos acabaram no mês passado.

Já, no caso da CAPES, recebemos apoio através do Programa de Cooperação Acadêmica (PROCAD) - um programa grande da CAPES que prevê cooperação entre instituições. No nosso caso aprovamos uma cooperação UNIPAMPA (representada pelo nosso laboratório) - PUCRS (laboratório do professor Ivan Izquierdo) - UNICENTRO/PR (laboratório dos professoress Juliana Bonini e Weber Cláudio da Silva). Este programa provê recursos consideráveis por 4 anos de cooperação, sendo R$ 90 mil por ano mais bolsas e auxílios para deslocamento. O que aconteceu, neste caso, é que só recebemos os recursos de 2 anos de projeto até agora (deveríamos estar recebendo os recursos do quarto ano em 2017, mas não temos nem previsão de pagamento dos recursos do terceiro ano).

Além dos recursos estarem acabando, a perspectiva de novos editais, ou de pagamento dos editais aprovados, é quase nula. A atual situação da ciência e tecnologia no nosso país, de fato, assusta toda a comunidade científica. Recentemente, até as bolsas pagas pelo CNPq estiveram (ou estão) ameaçadas pela falta de recursos. E, além dos recursos para equipamentos e materiais, as bolsas para estudantes de graduação e pós-graduação são fundamentais em pesquisa do tipo que desenvolvemos, que requerem grande tempo de dedicação ao laboratório, afinal, é muito difícil, se não impossível, conciliar uma pós-graduação na área biológica com o trabalho, por isso as bolsas são tão importantes. Atualmente, meus alunos de iniciação científica recebem bolsas do CNPq, CAPES, FAPERGS e Unipampa. Já os de pós-graduação, alguns recebem bolsas da CAPES, outros estão sem receber bolsa, e, neste caso, têm tido dificuldade no desenvolvimento das suas pesquisas. Infelizmente, não temos perspectivas de liberação de novas bolsas pela CAPES.

ACS: Quais são os planos para a pesquisa após o recebimento do prêmio?

Pâmela: Muitos experimentos! Já estamos com o cronograma de atividades pronto, e nossa ideia é ter resultados ainda este ano. Esperamos que o projeto gere, ao menos, 3 publicações científicas em periódicos internacionais, contribuindo para o desenvolvimento da pesquisa e pós-graduação da Unipampa e para a formação acadêmica dos alunos envolvidos.

Esta é a segunda vez que uma professora da Unipampa recebe o prêmio nacional “Para Mulheres na Ciência”. Na edição de 2015, a professora Daiana Silva de Ávila, também docente do campus Uruguaiana, foi premiada pelo projeto “Avaliação dos mecanismos de atraso da progressão da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) pela ingestão de trealose ou vitamina E em Caenorhabditis elegans".

As vencedoras do do prêmio nacional “Para Mulheres na Ciência” serão contempladas com uma bolsa-auxílio de 50 mil reais para serem empregados no desenvolvimento dos projetos nos próximos 12 meses. A cerimônia de premiação será no dia 24 de outubro, no Rio de Janeiro.

Sobre o prêmio

O Programa nacional “Para Mulheres na Ciência” é promovido pela L’Oréal em parceria com a Unesco Brasil e com a Academia Brasileira de Ciências. O objetivo do prêmio é motivar a transformação do panorama da ciência no Brasil, favorecendo o equilíbrio entre os gêneros e incentivando a entrada de mulheres no universo científico. Em 2017, o programa chega à sua 12edição já tendo distribuído um total de 3,5 milhões de reais em premiação para 75 pesquisadoras. Os trabalhos são avaliados por uma comissão julgadora formada por renomados profissionais da área científica.

Saiba mais sobre o prêmio “Para Mulheres na Ciência” 2017

 

    • Foto da professora Pâmela Carpes de perfil, sentada de jaleco branco e luvas operando equipamento de laboratório.
      A professora Pâmela Carpes em atividade em laboratório da Unipampa.
    • Grupo de pessoas em foto posada, com dez delas em pé e seis agachadas, em laboratório da Unipampa, durante a visita do neurocientista Ivan Izquierdo
      Grupo de pesquisa coordenado pela professora Pâmela (terceira da esquerda para a direita) reunido com o neurocientista Ivan Izquierdo(quarto da esquerda para a direita) em visita dele à Unipampa em 2015.